Na semana passada, na primeira parte deste artigo, abordei a necessidade urgente de aumentar todos os salários, de uma forma significativa, que permita compensar o aumento do custo de vida. Há dois factos que o justificam: cada vez mais trabalhadores e suas famílias empobrecem, porque não recebem um salário digno; e a desigualdade na distribuição de rendimentos tem-se agravado, com a concentração de lucros a crescer, em particular, nestes dois anos.
Estava longe de imaginar as propostas que, passados uns dias, viriam dos donos destas grandes empresas, com a propaganda e a demagogia que as acompanhou… Antes de mais, é bom ter presente que só os donos das 20 maiores empresas tiveram 25 milhões de euros de lucro por dia, no primeiro semestre deste ano. No total, e contando apenas até ao fim de junho, são 4 mil e 500 milhões de euros que foram arrecadados por este grupo de grandes empresas. Corresponderiam a 160€ mensais por cada trabalhador português, apenas considerando estes 20 grandes grupos económicos. Lucros conseguidos à custa de uma inflação injustificável, à custa dos sacrifícios de todos nós. Conseguidos à custa de salários baixos e da perda do poder de compra da esmagadora maioria.
E que propostas apresenta esta elite económica? A criação de um 15.º mês, que, sem quaisquer garantias de ser concretizada, mais parece uma promessa vazia, mais ou menos como ter os dois pássaros a voar do provérbio tipicamente português. Como se as famílias vivessem apenas nesse mês e não tivessem contas para pagar durante todo o ano. Como é óbvio, nenhum trabalhador recusará um salário extra. Mas isso não resolverá, por inteiro e de forma justa, este problema! Propõe também um aumento salarial, desde que recebam outras contrapartidas, que porão em causa o funcionamento do Estado e das Regiões Autónomas e a Segurança Social, ou seja, as reformas e a proteção na parentalidade, no desemprego e na doença.
Onde se vai acumulando o dinheiro que falta à maioria? Para responder, olhemos para a realidade Açoriana. Quem fica com a maior parte dos lucros do leite, da pesca e do turismo? Não são os agricultores, os pescadores, os armadores ou os trabalhadores! Fica, precisamente, com as grandes empresas…
Quando se defende o aumento de salários, há sempre alguém que argumente com as dificuldades das micro e pequenas empresas. Essas dificuldades são reais, mas não resultam dos salários, que correspondem apenas a 18% das suas despesas. A prova está no período após 2015, em que o governo minoritário do PS foi obrigado a negociar com o PCP, aceitando aquilo que, noutras alturas, recusou. Nessa altura, o aumento dos salários e do poder de compra beneficiou as pequenas empresas, que vivem, em primeiro lugar, do consumo interno.
A aposta política nos salários baixos é o nosso maior problema, particularmente grave nos Açores. É o resultado de um modelo económico que prefere as desigualdades e o crescimento rápido das grandes fortunas, em vez de apostar na inovação tecnológica, na produção, na justiça económica e social, no desenvolvimento equilibrado e sustentável. É por isso que não é uma inevitabilidade: há alternativas, apostando na produção e na dinamização da economia. Mas este assunto merece mais atenção e o artigo já vai longo… Por isso ficará para outro dia…