A vontade de voltar a Moçambique, ir mais longe nas recordações e na história da família deram mote à peça “As areias do imperador”, adaptada e encenada por Victor de Oliveira que se estreia na próxima semana em Aveiro.

A partir da trilogia homónima de Mia Couto, Victor de Oliveira continua o percurso iniciado em 2019, com “Incêndios” e, em 2021, com “Limbo”, nos quais questionava as consequências da guerra civil que durante 16 anos atingiram Moçambique e percorreram a sua infância, equacionando também as relações entre o Norte e o Sul.

“As areias do imperador”, que se estreia no dia 08 de setembro no Teatro Aveirense, é para Victor de Oliveira o fim de uma trilogia, depois de, em 2019, ter sentido “vontade, quase necessidade, de ir a Moçambique”, país onde nasceu e onde grande parte da família ainda vive, com o espetáculo “Incêndios”, que Wajdi Mouawad escreveu a partir da guerra do Líbano e que o ator e encenador moçambicano transpôs para o período de guerra que sucedeu à independência de Moçambique.

Enquanto “mestiço”, neto de avós negras moçambicanas e de avôs portugueses, Victor de Oliveira disse à Lusa ter sentido necessidade de questionar a maneira “como os afrodescendentes sentem a sua relação com os países de origem”, o que já acontecera com “Limbo”, que estreou no Teatro do Bairro Alto em 2021 e com o qual venceu os prémios de Melhor Texto e Melhor Espetáculo 2022 da Sociedade Portuguesa de Autores e que está em digressão até 2024/25.

Quando teve essa necessidade, leu a trilogia escrita por Mia Couto, e entretanto traduzida para inglês, uma “obra absolutamente magistral e incrível”, na qual diz ter encontrado a “matéria certa, quase como uma evidência, para trabalhar novamente com atores moçambicanos, portugueses e franceses”, que considera os “seus três países”.

Nascido em Moçambique e tendo viajado para Portugal com 6 anos, Victor de Oliveira, que reside em França desde 1994, juntou assim atores dos três países para “ir mais longe até uma parte do período da colonização”.

A ação da obra de Mia Couto situa-se em 1895, quando o último imperador de Gaza, Ngungunyane, ou Gungunhana, foi capturado por Mouzinho de Albuquerque, tendo depois sido enviado para Lisboa e, mais tarde, para os Açores.

Para Victor de Oliveira, o principal no romance do autor moçambicano não é, contudo, o percurso do imperador de Gaza, mas a história de amor entre o sargento Germano de Melo e Imani Tsembe, uma jovem moçambicana que traduzia para português as palavras proferidas pelo imperador em changana, uma das mais de 20 línguas faladas em Moçambique.

A história “toca em muitos dos temas que têm a ver com o olhar sobre a colonização, sobre a relação entre Portugal e a sua ex-colónia, com a relação dos moçambicanos com a sua antiga potência colonial” e que, de certa forma, tem a ver com aquilo de que as avós de Victor de Oliveira lhe falavam.

O ator e encenador achou que o romance de Mia Couto tinha muito a ver com “uma epopeia e uma história muito forte” que o criador retrata na pele e que espera “que tenha eco e possa ressoar além dos temas de que as personagens principais falam e dizem”.

Até porque a história do avô paterno do artista, que foi para Moçambique na altura da Grande Guerra para combater alemães, acaba por ter “algumas semelhanças” com a do sargento Germano que se apaixonou por Imani, como o avô paterno de Victor se apaixonou pela sua avó, acrescentou.

O avô paterno de Victor de Oliveira acabou por ficar em Moçambique, onde continuam a viver tios e tias do encenador, acabando por morrer quando o pai do ator e encenador tinha 6 anos, contou à Lusa.

Com muita da peça falada em changana, a língua de Gungunhana, o espetáculo acaba também por fazer um percurso sobre a história colonial, afirmou.

“O meu pai dizia muitas vezes que tinha uma vida bonita. Mas a vida bonita construía-se sobre outras vidas menos bonitas, que eram as vidas dos negros”, acrescentou Victor de Oliveira, admitindo que com os três espetáculos acabou por fazer “uma arqueologia da família”, tentando perceber onde se posicionava.

Através de Germano e Imani, os espectadores vão assistir a um questionar contínuo sobre o que é a lusofonia.

“As areias do imperador”, que resulta de um trabalho falado com Tiago Rodrigues quando este ainda era diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II, integrará também a programação do teatro, sendo apresentado em final de março de 2024, na Culturgest, em Lisboa.

No Teatro Nacional São João, no Porto, vai estar em cena entre 14 e 17 de setembro.

O espetáculo, que repete no dia 09 de setembro na sala principal do Teatro Aveirense, tem adaptação e encenação de Victor de Oliveira.

A interpretar estão Ana Magaia, Bruno Huca, Elliot Alex, Daniel Pinto, Eunice Mandlate, Horácio Guiamba, Isabelle Cagnat, Josefina Massango, Lucrécia Paco, Klemente Tsamba, Mário Santos, Miguel Moreira, Miguel Nunes, Sofaida Moyane e Victor de Oliveira.

A cenografia é de Margaux Nessi, a luz de Diane Guérin e o vídeo de Eve Liot.

Com música original de Ailton Matavela, pinturas e esculturas de Butcheca, “As areias do imperador” conta com colaboração dramatúrgica de Charlotte Farcet.

O desenho de som é de Samuel Gutman, a direção de cena de Camille Faure e os figurinos e acessórios de Sara Machado, numa coprodução entre Teatro Aveirense, Teatro Nacional Dona Maria II, Teatro Nacional São João, Centro Cultural Franco-Moçambicano, Le Grand T – Théâtre de Loire-Atlantique, MC93 – Maison de la Culture de Seine-Saint-Denis, Espace Malraux, Scène Nationale de Chambéry Savoie e Les Célestins – Théâtre de Lyon.

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