Houve um tempo, não assim tão recuado, em que seria consensual em qualquer praça pública portuguesa o repúdio ao extremismo e ao discurso de ódio. Portugal tinha ainda na memória o tempo do salazarismo, e todas as consequências desastrosas do mesmo.
Pelas nossas ilhas eram muitas e muitos mais que se lembravam da fome, da miséria e do parasitismo do que das supostas contas equilibradas do Regime, que nada de bom trouxeram ao país real.
As pessoas recordavam, com medo ou com nojo, a polícia política que a todos tentou controlar. Houve um tempo em que defender a igualdade entre os povos correspondia a uma questão de bom senso. Tempos não muito recuados, em que sabíamos lutar pela inclusão das minorias sociais e pela libertação das algemas mentais colocadas sobre determinados grupos e setores da sociedade. Saímos para a rua em conjunto, pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez e pela emancipação da mulher.
Erguemos bandeiras e votos a favor da legalização do casamento homossexual. Soubemos ser um país em desconstrução, para poder construir um futuro mais risonho e multicultural. Só que as lutas do passado regressaram às nossas portas, e foram tantas e tantos que não deram por elas. Porque se recusaram a aceitar ser possível tamanho retrocesso. Por desconhecimento. Ou por secreto assentimento. Até porque também os há, e cada vez mais, os que defendem na penumbra o que é apregoado com ódio nas Assembleias de Portugal.
No dia 26 de junho de 2023, o Projeto Global contra o Ódio e o Extremismo divulgou junto da sociedade civil um relatório com os resultados de estudos especializados em vários parâmetros da sociologia e da ciência política, que revelam a presença, em Portugal, de treze grupos de ódio. Numa primeira abordagem, poderá permanecer relativamente indiferente a esta novidade que parece cada vez menos nova.
Verdade seja dita, já nos fomos habituando a ouvir tolices e maluqueiras sobre tudo e todos. Situação agravada pela ascensão de uma nova classe de comentadores do ódio que ganharam palco redobrado durante a crise pandémica que nos obrigou a permanecer atrás de um ecrã.
Talvez seja mesmo verdade que estamos dormentes com tudo isto. Prova viva dessa dormência será a falta de indignação pela parte da sociedade civil face ao aumento em tom e em número de intervenções claramente hediondas, da parte de deputados eleitos em nome do partido de André Ventura.
Em cada debate público onde participam, deixam sempre uma marca ofensiva. Tentam diminuir as mulheres presentes. Utilizam argumentos básicos sobre estereótipos ultrapassados. Usam e abusam da conversa brejeira. E são sempre capazes de rematar com uns berros, como se estivessem ali num programa sobre futebol, e não na mais importante casa da democracia. A isso já nos habituou o chega.
E é precisamente o chega que surge como cabeça de cartaz do relatório de que falava. O partido, que continua a ser considerado constitucionalmente aceite, é descrito com uma retórica racista, anti-imigração e anti-LGBTQ+, colocando-o no mesmo patamar dos antigos militantes do PNR ou dos grupos skinheads, por exemplo. Não será de espantar, quando lemos artigos como os que Paulo Seco escreve no mais recente jornal do partido, folheto propagandístico que se faz com peças na defesa de Salazar e dos seus costumes, na crítica intelectualmente invertebrada às minorias ou no endeusamento do líder a que chamam sempre de “doutor”, com um carinho trágico-cómico.
É pela constante erosão que estes movimentos nos tentam vencer, sem dúvida. Mas não é menos verdade que importa que continuemos a ficar revoltadas e revoltados com o que se passa.
A pessoa que foi eleita como deputado, e que teima em minimizar qualquer intervenção contra si, puxando de cartas como a da “histeria”, não pode nem deve ser ignorada. Deve ser publicamente denunciada, pelo discurso de ódio, tal como o devem ser os que com essa pessoa se dignam coligar! Essa pessoa também se inclui no relatório divulgado que dá conta da forma como o seu partido se associa ao racismo, anti-imigração, ou seja, anti minorias e com discurso de ódio.
Não podemos aceitar que tal continue ou permaneça. Nem pela salvação de nenhum governo que deveria sim, ter vergonha de se encontrar associado a um grupo de ódio.
Hoje, como ontem e amanhã, importa continuar a dizer: fascistas não passarão!