Recentemente, foram noticiadas as conclusões do estudo coordenado por Lara Guedes de Pinho, professora do Departamento de Enfermagem da UÉ e investigadora do Comprehensive Health Research Centre da academia alentejana, no qual a Universidade dos Açores integrava as sete instituições de ensino superior do país onde o estudo se desenvolveu. Pasme-se ou não, um terço das e dos estudantes inquiridos revelou já ter sido alvo de assédio sexual.
Para além deste estudo, a publicação de um capítulo visando investigadores portugueses no livro Sexual Misconduct in Academia: Informing an Ethics of Care in the University (Routledge, 2023) desencadeou um conjunto de denúncias relativas ao diretor emérito do Centro de Estudos Sociais, Boaventura de Sousa Santos.
Por sua vez, a associação sindical de juízes portugueses fez um estudo que revelou um elevado número de juízes, sobretudo juízas, que assinalaram serem vítimas de assédio por parte de colegas com autoridade e que não reportaram esse assédio por medo, por vergonha e por ausência de canais de denúncia.
O assédio em contexto académico, que volta agora ao centro do debate público, está longe de ser uma questão de casos isolados. Não é a primeira vez que o ensino superior é avassalado por denúncias de assédio sexual e o surgimento de relatos sobre casos noutras instituições nos dias seguintes às denuncias sobre Boaventura de Sousa Santos confirmam que não será a última.
Surgiu o manifesto “Todas Sabemos”, assinado por centenas de académicas, académicos e agentes culturais, no qual referem “as repetidas e persistentes situações abusivas que o texto retrata, longe de serem episódicas ou um ataque concertado de difamação pessoal, institucional ou política, devem ser interpretadas como uma crítica a dinâmicas institucionais sistémicas, comuns dentro e fora da academia”.
O manifesto deu voz às exigências das e dos membros da comunidade académica que se têm mobilizado contra o assédio, afirmando a necessidade de um “enquadramento legal para este tipo de casos, nos estabelecimentos de ensino e investigação superior”.
Sempre que há um escândalo sobre casos de assédio no ensino superior, a indignação é geral, replicando-se o clamor por justiça.
Além de as denúncias serem poucas e as condenações ainda menos, o crime de assédio não existe no código penal, acabando por ser um obstáculo à devida abordagem e julgamento dos casos denunciados.
O BE, na Assembleia da República, apresentou duas propostas que são da maior importância para as vítimas e para possibilitar o devido julgamento. Uma dessas propostas destina-se à academia superior e a outra para a criação de o tipo legal de crime de assédio sexual e de assédio sexual qualificado, reforçando a proteção legal das vítimas, no código penal.
Desde logo, surgiram argumentos contra a inclusão do crime de assédio sexual no código penal, que se baseavam na lógica de já se encontrar previsto um conjunto de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, entre os quais a importunação, a coação e a violação. No entanto, o crime de importunação sexual, sendo pensado para o assédio individual, em contato de rua não é adequado para situações de assédio em contexto institucional, contemplando propostas de teor sexual, mas não comentários, deixando a definição de crime dependente de um ponto de interrogação no final da abordagem.
Outro argumento é o de haver uma intervenção penal excessiva, em que o Conselho superior da Magistratura diz nunca se poderá criminalizar condutas de assédio indesejadas que não ultrapassem a grosseria ou má educação! Como se a mulher que se dirige a um posto policial não saiba diferenciar um comportamento de má educação de um comportamento de assédio, ideia que perpetua o preconceito de que as mulheres mentem, e como tal, não é possível alargar o crime por que há o risco tenebroso de as mulheres saírem dos seus trabalhos, das instituições de ensino, do supermercado e correrem para as esquadras para se queixarem de comportamentos afetuosos e inocentes…
A proposta do BE que se destinou ao ensino superior foi aprovada, no entanto a que pretendia a criação do tipo legal de crime de assédio sexual foi rejeitada com os votos contra do PS, PSD, PCP e de abstenção do Iniciativa Liberal e do ch.
De facto, com as posições assumidas pelos restantes partidos e a forma como debateram, o conseguido foi passar a mensagem da normalização do assédio sexual e a ideia de que quem o pratica é mal-educado e que a questão geracional é determinante.
No entanto, não há atos sérios de assédio e atos pouco sérios de assédio. Há assédio sexual e, mais uma vez, os restantes partidos optaram por apoiar as pessoas que já o praticaram e prolongar o sentimento de impunidade a quem os pense praticar.