Hernâni Bettencourt, jurista

Não sei se o Professor Cavaco Silva gosta de futebol; se tem alguma preferência clubística ou se acompanha, minimamente, o futebol português. Mas a verdade é que para mim, que sigo há três décadas o desporto rei, vejo sempre enormes semelhanças entre o pós-discurso de Cavaco Silva e uma certa linha que pretende ser oficial no futebol português. A cada intervenção da personalidade que, goste-se mais ou menos, foi o cidadão (político?) que mais votos recolheu na História Política Portuguesa lá surge uma catadupa de comentários, análises, artigos de opiniões e inúmeras entrevistas que, em comum, procuram sempre lá bem no fundo remeter Cavaco Silva para “outros tempos”. Estes tipos de reação, com o beneplácito de muitos dos órgãos de comunicação social, fazem-me lembrar, por um lado, os ultras das claques que não conseguem (nem querem!) ver nada para além das paredes do seu próprio clube e, por outro lado, e é aqui que entra a comunicação social, fica evidente um tratamento muito diferenciado para questões idênticas.

Cavaco Silva decidiu participar num evento do seu partido e disse o que entendeu. Isto deu azo às esperadas reações partidárias e, acima de tudo, a um certo tipo de notícias e de comentários, ditos independentes, que censurou a forma e o teor da intervenção e que até contestou a tomada de posição por um ex Presidente da República, defendendo um certo recato por esse mesmo passado. Ora bem, lá para o final de alguns dos noticiários, fomos recordados de determinadas intervenções do ex Presidente Mário Soares. Recorde-se que Mário Soares foi, inclusivamente, entre outras intervenções, primeiro subscritor de uma carta aberta (e depois petição) que pedia a demissão de Passos Coelho. Da minha parte, nada tenho contra as intervenções dos ex Presidentes Mário Soares e Cavaco Silva. Defendo sempre a liberdade de expressão. Qualquer um dos ex Presidentes fez, com total legitimidade, aquilo que entenderam. O que já tenho mais dificuldade de aceitar é a tentativa de alguns, sob a capa da isenção de determinado órgão de comunicação, dizerem ao público em geral que um pode fazer o que fez e o outro já não pode. Esta diferença de tratamento remete-me, novamente, para o futebol português. Há jornais que decidem amparar a posição dos clubes quanto às respetivas datas de fundação, palmarés, etc… O clube A diz uma coisa e o jornal dito de referência, com a devida insistência, torna a mesma afirmação em verdadeira. Claro que só aceita isso quem quer, mas quem acompanha o futebol português sabe ao que me refiro. Sabe dos silêncios cúmplices das entidades competentes. Sabe da força e peso de uns, em detrimento de outros. Sabe do medo que existe. Sabe das dependências. Na política, ao ver a tentativa de passarem versões oficiosas e até experimentais em algo oficial, recordo-me do campeonato português. O Professor Cavaco, que até pode não ligar nada a futebol, não deixa de ser um dos exemplos das semelhanças entre a análise política e a análise do pontapé na bola. Se calhar é também por isto que ele nunca aceitou ser apelidado de político…

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