Rui Teixeira, dirigente do PCP Açores

Procurando continuar a contribuir para a comemoração dos 50 anos de Democracia, vou abordar o direito à habitação, inscrito, em 1976, na Constituição. Nos anos pós-revolução, foram-se introduzindo melhorias muito significativas nas condições de habitação. A segurança com as instalações elétricas, as canalizações e o gás são exemplos concretos e, por isso, será, talvez, de destacar a segurança das construções e as condições sanitárias, como sendo o salto qualitativo mais importante nos Açores. No entanto, será possível, e justo, destacar outros aspetos trazidos pela Revolução. E era sobre isso mesmo o assunto deste artigo.

Das muitas críticas à Revolução de Abril que, por vezes, se ouvem, ficam sempre esquecidos os responsáveis. Sim, porque há responsáveis, há quem faça opções, e são essas opções que, em última análise, definiram o que se cumpriu e o que ficou esquecido. Por isso, será importante julgar Abril e a sua Constituição pelos seus méritos, e não por aquilo que os governos regionais e da república escolheram esquecer.

Abril e a Constituiçãoassumem que todas as famílias têm direito a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a privacidade familiar. Assumem, também, que o negócio com a venda de casas não pode impedir o direito de todos a uma habitação com qualidade. Mas, sobretudo, Abrildefiniu que cabe ao Estado garantir que todos têm direito à habitação com qualidade, independentemente dos seus rendimentos familiares.

Abril não foi neutro. Tomou parte pelos trabalhadores, pelos mais fracos, pelos esquecidos de sempre pelo poder político. E, se muito ficou por fazer, isso deve-se às opções políticas que foram contra Abril, preferindo o lucro dos grandes à vida dos pequenos. Longe de ser uma política socialpensada para todos, a habitação transformou-se num negócio altamente lucrativo para os bancos e para as grandes empresas construtoras, especulando com os preços. Não é por acaso que se soube, recentemente, que os Portugueses são os mais afetados com a subida dos juros decididas pelo Banco Central Europeu. Nem me refiro à ideia, digna de filme de terror, de fazer subir os juros para baixar a inflação! E o motivo pelo qual somos dos mais afetados com a subida dos juros é simples: temos os salários mais baixos e, proporcionalmente, as casas mais caras da Europa. Os Açores são particularmente afetados por esta realidade, pelo simples facto de que os nossos salários são substancialmente mais baixos do que a média nacional, em resultado da política deste governo regional e do anterior, que sempre apostaram numa economia baseada nos baixos salários.

O PCP apresentou, já várias vezes, na Assembleia da República, inúmeras propostas para, verdadeiramente, proteger as famílias e as suas habitações, pondo os bancos a pagar o aumento das prestações. Estas propostas foram sempre chumbadas pelo PS e pela direita – inclusive aquela extrema direita que não tem vergonha em dizer exatamente o contrário daquilo que é o seu voto. Das propostas do PCP, destaco aproteção da habitação de família e serem os lucros dos bancos a pagar a subida dos juros. Estamos a falar de quase dois mil milhões de euros de lucro dos bancos, mais de 85% de aumento. Mas, como disse o deputado comunista Duarte Alves, “Nas margens de lucro da banca o PS, PSD, Chega e IL não acham que se tem de conter a espiral inflacionista”. Como é seu hábito, PS e direita votaram como um só.

Entretanto, com os preços das casas sempre a subir e o governo regional fingindo nada ter a ver com o assunto, vão havendo cada vez mais Açorianos empurrados para fora das suas casas e para fora das cidades e localidades. E vai havendo quem tenha emprego nos Açores, mas tenha de se ir embora, por preços incomportáveis. E assim se vai demonstrando quem tem responsabilidades na interrupção daquilo que a Revolução de Abril quis construir, protegendo o direito dos mais fracos a uma vida digna. Na interrupção das conquistas de Abril, há culpados, e é bom não o esquecer!

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