Hernâni Bettencourt, jurista

Era uma vez um ministro de um Estado de Direito Democrático que foi inquirido durante sete horas numa comissão parlamentar de inquérito.

Na referida inquirição, foi-nos contada mais uma versão de uma estória deplorável. O senhor ministro, depois de ter envolvido diversos membros do governo aquando da sua patética conferência de imprensa dada mais de 48 horas após os inenarráveis acontecimentos ocorridos durante um par de horas no ministério das Infraestruturas, veio agora dizer que tinha ligado também ao ministro da administração interna. Portanto, o ministro Galamba, após ter exonerado telefonicamente o seu ex adjunto que tinha a missão de acompanhar em exclusivo o dossier TAP, foi para casa descansar de uma longa viagem a Singapura.

Mal tinha entrado em casa, recebe um telefonema da sua chefe de gabinete a relatar que Frederico Pinheiro – outrora colaborador de máxima confiança para ser o único a ter na sua posse o plano de reestruturação da TAP – estava no ministério e se preparava para sair com um equipamento portátil que era pertença do Estado e no qual estava o recentemente classificado plano de reestruturação.

Deixando de parte os contraditórios e inacreditáveis relatos de agarrões, murros, correrias, roubo, sequestro e pessoas barricadas em casas de banho, foi-nos dito pelo ministro, numa conferencia de imprensa e numa comissão de inquérito, que este episódio o fez ligar ao Primeiro-Ministro (“que não atendeu por estar a conduzir”), ao ministro da Administração Interna, à ministra da Justiça, ao secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, ao diretor nacional da PSP e ao diretor nacional da PJ.

No meio de tanto telefonema, com horários e informações que não batem certo, a sua chefe de gabinete, sem qualquer orientação prévia do ministro, ligou ao Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) e depois foi contatada pelo Serviço de Informações de Segurança (SIS).

Tudo isto foi feito, alegadamente, para garantir que um documento classificado que estava num portátil usado como ferramenta de trabalho por um adjunto não fosse parar a mãos indesejadas.

Cerca de duas horas depois da PSP ter ordenado a abertura das portas do ministério para que o ex adjunto saísse das instalações, um agente do SIS recolheu na via pública o computador entregue pelo ex adjunto.

Isto são tudo factos que resultam das inquirições do ex adjunto, da chefe de gabinete e do ministro Galamba. Tudo isto é demasiado grave. Tudo isto é lamentável.

Mas as inexatidões, omissões e contradições não são exclusivas de um ministro sem quaisquer condições para o ser. No final da longa inquirição, o ainda ministro Galamba disse que, num telefonema por volta da uma da manha do dia 27 de abril, transmitiu ao Primeiro-Ministro que tinha sido feita uma participação ao SIRP/SIS. Ora, o senhor Primeiro-Ministro, em resposta escrita do dia 1 de maio remetida pelo seu gabinete ao jornal Observador, disse, a este respeito, o seguinte: “O Primeiro-Ministro não foi, nem tinha de ser informado.”  Quem é que está a mentir? Esta dúvida não pode subsistir. Já não é o ministro Galamba que está em causa. Já nem é o Primeiro-Ministro. É mesmo o regime.

Salvem-nos!!!

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