Milhares de pessoas concentraram-se hoje nas ruas de Ponta Delgada para assistirem à procissão do Santo Cristo dos Milagres, que se realiza nos Açores desde 1700, numa jornada de fé, dor e esperança.
Oriundos das várias ilhas dos Açores, da diáspora dos Estados Unidos e do Canadá, bem como das Bermudas, a par do continente, os fiéis, para além da jornada de religiosidade, participam nas festas seculares com motivações diferentes.
É o caso da lusodescendente Helena da Silva, de 66 anos, oriunda da Califórnia, que já não assistia às festividades há cerca de 30 anos.
“Tenho na minha sala um registo do Santo Cristo, que me acompanhou na dor e me motivou na esperança quando, há 26 anos, fui acometida de um cancro. Sei que foi a sua intervenção divina que me permitiu hoje viver na companhia dos meus filhos e netos”, partilha a emigrante açoriana.
José da Ponte, de 56 anos, residente em Fall River, cidade da costa da Nova Inglaterra, nos Estados Unidos, cuja população é predominantemente de origem açoriana, espreita os tapetes de flores enquanto aguarda a passagem da imagem, tendo trazido às festas o filho, Jason, que apenas tinha assistido às festividades pela Internet e televisão.
À passagem da imagem, exclama emocionado: “ele este ano transporta no rosto um vislumbre de esperança”, diz, com uma satisfação evidente por estar a ver ‘in loco’ a imagem do Santo Cristo.
Segundo o emigrante, a mulher foi uma das centenas de pessoas que, na noite de sábado, se fizeram à estrada, oriundas de várias localidades da ilha de São Miguel, rumo a Ponta Delgada, entoando cânticos e orações, para “pernoitarem” com a imagem do Santo Cristo na Igreja de São José.
Ainda não recuperada da caminhada de joelhos realizada no sábado, carregando um círio, à volta do Campo de São Francisco, epicentro das festas do Santo Cristo, Maria José, de 46 anos, afirma que recebeu uma “graça do Senhor” quando foi confrontada com a doença e os médicos não lhe davam “muito tempo de vida”.
As festas do Santo Cristo dos Milagres constituem a maior festividade e celebração religiosa realizada nos Açores, tendo sido Madre Teresa da Anunciada, nos finais do século XVII, a potenciar o culto à volta da imagem do “Ecce Homo”, na sequência de uma profunda crise sísmica que atingiu a ilha de São Miguel.
Decorre, entretanto, o processo para a canonização de Madre Teresa da Anunciada.
De acordo com elementos históricos disponíveis, a imagem do Santo Cristo terá sido atribuída pelo Papa Paulo III a duas religiosas da ilha de São Miguel que se deslocaram a Roma para obterem bula pontifícia no sentido de promoverem a instalação de um convento no lugar da Caloura, em Água de Pau, na ilha de São Miguel,
A anteceder a procissão de hoje, que passa pelas principais artérias de Ponta Delgada, centenas de peregrinos percorrem, na manhã de sábado, de joelhos, o empedrado do Campo de São Francisco como forma de pagamento de promessas ao Santo Cristo.
Enquanto os joelhos de uns sangram, outros optam pela parte profana das festividades, onde proliferam as barracas de comes e bebes.
A devoção ao Santo Cristo dos Milagres não se esgota nas festividades concentradas em Ponta Delgada, sendo replicada em outras ilhas dos Açores e pelas comunidades emigrantes radicadas nos Estados Unidos e Canadá, predominantemente.
Este ano, o novo Bispo da Diocese de Angra, Armando Esteves Domingues, preside aos festejos religiosos.
A procissão do Santo Cristo dos Milagres realiza-se em Ponta Delgada, desde 1700, não tendo sido promovida apenas uma vez, devido à pandemia de covid-19.